Chico Mendes. Quando se falava
em Acre, era esse o nome que vinha à minha mente logo de cara. E Xapuri, por
consequência.
Então se Acre pra mim era
sinônimo de Chico Mendes e Xapuri, dei um jeito de ir lá conhecer de perto a
cidade do líder seringueiro mundialmente famoso. Na procura, descobri uma
pousada na floresta, entre os seringais. Decidido. Era pra lá mesmo que eu
iria!
Xapuri foi palco de batalhas
na Revolução Acreana. Como toda aquela região, pertencia à Bolívia e depois da
assinatura do Tratado de Petrópolis, foi anexado ao Brasil. Era a época que a
borracha valia muito e Xapuri destacava-se nesse cenário, pois tinha os
seringais mais produtivos do mundo.
Na floresta, os seringueiros
(a maioria nordestinos), moravam no que
até hoje eles chamam de “colocações”. Isolados na mata, trabalhavam em regime
de semiescravidão para os donos dos seringais, saindo de madrugada num caminho
de ida, cortando a árvore, e na volta recolhendo o leite escorrido em copinhos.
Esse processo é realizado de madrugada porque durante o dia, com o calor, o
látex coagula mais facilmente.
O 1º ciclo da borracha começou
em 1879 e terminou em 1912, quando a Malásia também passou a produzir ”o ouro
branco”, superando a produção brasileira. Veio então a 2ª Guerra Mundial e com a
invasão da Malásia pelos japoneses, os Aliados vieram buscar no Brasil a
borracha necessária para produção de material bélico.
Foi o 2º ciclo, que durou
de 1942 a 1945, época que mais nordestinos chegaram à região amazônica, dessa
vez arregimentados pelo governo de Getúlio Vargas como “Soldados da Borracha”.
Mais uma vez, muitos viveram semi-escravizados nos seringais e milhares
morreram nas florestas. Quando a guerra terminou, o governo brasileiro não os
levou de volta aos seus estados, como havia prometido. A borracha perdeu o valor,
assim como as terras e depois, já pra década de 1970, seus donos começaram a vendê-as
para outro tipo de patrão, os fazendeiros, que começaram a derrubar a mata para
plantar pasto para seu gado. É aí que entra Chico Mendes.
Nascido nos seringais de
Xapuri, filho de pai cearense, Chico aprendeu o ofício com o pai. Como nos
seringais não havia escolas, alfabetizou-se somente aos 19 anos. Em 1975
começou a vida sindical contra o desmatamento da floresta e a expulsão dos
seringueiros de suas “colocações” pelos fazendeiros, novos donos da terra. Para
isso, reuniam-se nos chamados “empates”, que consistia numa manifestação
pacífica onde os seringueiros, com mulheres e crianças, posicionavam-se ao
redor das árvores, impedindo que fossem derrubadas pelas motosserras. O
primeiro líder seringueiro a ser assassinado a mando dos fazendeiros foi Wilson
Pinheiro. A partir desse assassinato Chico Mendes tornou-se o líder dos
seringueiros e presidente do sindicato, conseguindo unir indígenas,
seringueiros, castanheiros e ribeirinhos
na “União dos Povos da Floresta”, com a ideia de criar reservas
extrativistas para essa população. Com sua batalha, conseguiu atrair a atenção do
exterior e recebeu prêmios internacionais, dentre eles o Global 500 Roll of Honour (tipo um “Oscar” do meio ambiente),
oferecido pela ONU, em reconhecimento por sua luta em defesa do meio ambiente.
Mas para alguns fazendeiros
e políticos locais, Chico Mendes “atrapalhava o progresso” e, depois da
desapropriação do Seringal Cachoeira, do fazendeiro Darly Alves, foi
assassinado em sua casa, em 1988 por Darcy, filho de Darly.
A história é mais ou menos
essa e Xapuri foi o centro de tudo isso. Hoje a casinha de madeira onde viveu
Chico Mendes e sua família e onde ele foi assassinado permanece do mesmo jeito,
ainda com marcas do seu sangue na porta.
Porta dos fundos da casa, local onde Chico Mendes foi baleado |
Ao lado, outra pequena casinha também é museu, reproduzindo uma casa de seringueiros da época áurea da borracha.
Produzindo as "pélas", bolas de borracha |
Os pastos e o gado tomaram conta de muito da mata porém a luta de Chico Mendes e seus companheiros deixou de herança a criação de reservas extrativistas protegidas para uso dos povos da floresta. Com a queda brutal do preço da borracha, muitos poucos sobrevivem atualmente se sua extração. O látex que ainda é coletado é repassado para uma fábrica de preservativos de Xapuri. Existem ainda os que colhem a castanha (a que nós chamamos de Castanha do Pará), que caçam ou vivem da agricultura. Tem quem ainda cuide e proteja a floresta. Tem quem faça o contrário. Aí já é outra briga....
Depois de conhecer a casa de
Chico Mendes, o museu da casinha do seringueiro, passar na Cooperacre para comprar
castanhas e conhecer o Museu de Xapuri, situado no prédio
da antiga Prefeitura da cidade, com mais histórias da Revolução Acreana e de
Chico Mendes, foi a vez de partir para ver in
loco um pouco da floresta, os seringais e exatamente no local do estopim da
causa da morte de Chico Mendes, o antigo Seringal Cachoeira, atualmente dentro da
Reserva
Extrativista Chico Mendes e onde foi construída, toda em madeira, a Pousada
Ecológica Seringal Cachoeira, uma parceria entre o Governo do Acre e a
comunidade local do seringal, onde vivem cerca de 80 famílias.
Distante 30km de Xapuri,
metade dos quais de estrada de terra, o acesso pode ser feito de taxi (caro!)
ou de mototaxi. Optei pelo mais utilizado: moto!
Simbora! |
A pousada é muito frequentada nas férias porém nesse dia em especial eu era a única hóspede! O local possui 3 chalés mas, pra vivenciar tudo do modo mais “raiz” possível, eu já havia reservado minha cama no belichário feminino (espaço coletivo com 12 camas). Depois de jantar, dormi sozinha, cercada pela mata, ouvindo os sons de muitos sapos e outros tantos bichos, me sentindo em outro planeta.
No dia seguinte, acordei
cedinho e saí ainda em jejum numa trilha de 2 horas e meia pela mata, sendo guiada por
Nilson Mendes, primo de Chico Mendes, profundo conhecedor da floresta, suas plantas
e bichos.
Vi as seringueiras no seu habitat natural, castanheiras enormes (que
árvore mais linda!) e conheci a Samaúma (ou sumaúma) considerada a rainha da
floresta. Nilson Mendes me apresentou a inúmeras plantas e suas propriedades
medicinais. Bichos, só cruzei com umas aranhas enormes (felizmente bem
quietinhas em seu buraco) e vi rastro de cotias que deixaram coquinhos roídos.
A rainha da floresta, a Samaúma |
Sangrando a seringueira com a "cabrita" |
A trilha terminou e a conversa continuou na mesa do café da manhã quando infelizmente “meu” moto taxista chegou para me levar de volta a Xapuri. Se na ida por aquela mesma estrada eu estava meio receosa pelo que iria encontrar, a volta foi em estado de êxtase, apreciando as enormes castanheiras, respirando aquele ar puro, ouvindo o silêncio da floresta e agradecendo pela felicidade de estar vivendo aquele momento tão especial e único. Foi DEMAIS!
Voltando pela estrada entre castanheiras |
Dicas
para quem vai:
De
Rio Branco para Xapuri: tem ônibus de linha mas é daqueles
pinga pinga em um percurso de 175km, por isso, optei pelo taxi compartilhado,
muito utilizado tanto pelos que vão a Xapuri, como pra Brasiléia ou Cobija, na
Bolívia. Paguei R$ 60,00 e adorei tanto a ida quanto a volta. Foram horas de
conversa com os motoristas e passageiros que dividiram comigo o taxi, todos
moradores locais com muitas histórias. Para quem sai de Rio Branco, os taxis
ficam estacionados na Gameleira mas também podem ser chamados com antecedência
em seu hotel. Segue telefone dos que eu fui: Jamilson (68.99968.2056/99987.0886/99231.0315) Celino (68.99922.4375)
Embora eu tenha ido por
conta própria, existem agências que fazem esse passeio, como a Vivacre Turismo, que também tem
excursões às aldeias indígenas (contato pelo facebook).
De
Xapuri para a Pousada Seringal Cachoeira: de taxi, cobraram entre
R$120/150 só de ida. De moto são 45 minutos e o preço é R$ 50,00 cada
trecho. Telefone do mototaxista que me levou e me buscou no horário combinado:
Raimundo (68.99901.0359). Outra opção pode ser também o Hudson, que é o vigia da pousada mas que,
estando a disposição, faz esse serviço também ( Hudson: 68.9913.8419).
Trilha
da pousada: o agendamento da trilha é feito com antecedência para
eles chamarem o guia (R$ 60,00 a Trilha da Samaúma). Combinando com antecedência, Nilson Mendes faz trilhas
maiores pela floresta. Telefone do Nilson Mendes: 68.9965.8513
O
que levar: pra trilha é imprescindível ir de tênis (ou botas) e
uma calça leve também é boa ideia, embora eu tenha ido de shorts. Repelente é
aconselhável, embora em nenhum momento eu tenha sentido picadas de insetos
(sorte?).
Contato
da pousada: (68)99943-4747 / e-mail: pousada.cachoeira@outlook.com
ou facebook. Valor da diária no belichário com café da manhã: R$ 60,00.
Hotel
em Xapuri: existem algumas pousadas para quem resolver ficar na
cidade. A única que conheci foi a Pousada
Chapurys, por indicação do taxista que me deixou lá porque eu procurava um
local pra almoçar. Não tinha almoço mas teve uma conversa agradabilíssima com o
dono, o Seu João, que ainda por cima tem um pequeno antiquário particular e uma
galeria de fotos de e sobre Chico Mendes. Fui tão bem recebida por ele e sua
esposa que quase desisti de ir dormir na floresta para continuar conversando e
ouvindo as histórias do Seu João (que foi amigo de Chico Mendes) enquanto
escutávamos seus discos de vinil.
Veja mais sobre o Acre: Rio Branco e um pouquinho da história do Acre (abril 2018)
Pequeno vídeo feito na Pousada Seringal Cachoeira:
https://www.youtube.com/watch?v=q7EFlw_CsRA&feature=youtu.be
Mais fotos:
https://www.youtube.com/watch?v=q7EFlw_CsRA&feature=youtu.be
Mais fotos:
Pela estrada, entre Rio Branco e Xapuri |
Pracinha em Xapuri |
Quarto de seus 2 filhos |
Com Chico Mendes, no Museu do Xapuri |
Interior do belichário |
Piscina e castanheiras |
Iniciando a trilha com Nilson Mendes |
As aranhas |
De boa no cipó |
Raiz de uma árvore caída |
Samaúma |
Com Nilson Mendes |
4 comentários:
Lióca amei seu relato ! Muita informação e cultura num cantinho do Brasil tão esquecido!
Tânia
Excelente narrativa!
Telma
Experiência muito massa!
Essa eu iria gostar.
Márcia
Amei o relato, Lia. Senti sua emoção! A Amazônia é mesmo grandiosa. Como tenho muita vontade de conhecer um pouco do Acre as dicas foram muito importantes.
Parabéns pelas fotos!
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