Pensei que a curiosidade
fosse somente minha, mas, depois que voltei de Cuba, não foram poucos os que vieram me perguntar o que eu tinha achado, como vivem as pessoas
por lá, o que mais tinha me chamado atenção, o que tinha me surpreendido, etc.
Em razão disso, resolvi
fazer este post, não falando sobre minhas impressões, mas sim do que eu vi e
ouvi de alguns cubanos com quem tive o prazer de conversar e fazer alguns
questionamentos.
Pra começo de tudo, é bem verdade que os cubanos são extremamente
musicais e muito simpáticos, sempre com um sorriso no rosto. Sobre isso eu havia lido bastante em blogs e portanto não foi surpresa para
mim. Em todo restaurante, bar e por vezes
nas ruas, há grupos com músicos muito bons que tocam principalmente salsas e
boleros, mas também escutamos Pablo Milanes e Sílvio Rodrigues, representantes
da “Nueva Trova Cubana”, movimento iniciado no final dos anos 60.
Nas ruas, as pessoas estão
sempre conversando, rindo alto, ouvindo música. Os cubanos são parecidos com os brasileiros,
de conversa fácil.
Os livros A Ilha e Trilogia
Suja de Havana, lidos na minha adolescência, foram relidos. Não vi nada das maravilhas ditas por Fernando Morais no primeiro nem da
fome vivida por Pedro Juan Gutierez no segundo. O tempo passou, a URSS (e sua
ajuda à ilha) não existe mais, porém a época da fome braba parece ter ficado no
passado e tudo graças aos dólares dos turistas.
E foi a quantidade de
turistas a minha primeira surpresa em Cuba. Levas e levas. Grupos e mais
grupos. De europeus, principalmente. A grande maioria, da 3ª. idade. Nas ruas
do centro de Havana e em Trinidad, por vezes eu me sentia como se estivesse em
uma cidade europeia dessas das mais turísticas.
Um grupo de excursão em Havana |
Já há alguns anos os cubanos
têm permissão do governo para abrir negócios próprios e dentre eles, teve uma
época que se ouviu falar bastante dos “paladares”, pequenos restaurantes
caseiros.
Procurei pelos tais
paladares, mas não os encontrei (pelo menos não como eu tinha imaginado). O que encontrei foram restaurantes e bares bem estruturados, modernos, "normais". Esses restaurantes, que antigamente eram do
Estado, hoje têm donos e funcionários próprios, que inclusive são pagos com a
moeda “turística”, o CUC.
Pausa para explicação: Cuba
tem duas moedas, o CUP, que é o dinheiro com o qual o Estado paga os
trabalhadores e o CUC, que é o dinheiro antes utilizado apenas pelos turistas,
mas agora usado também pelos próprios cubanos.O CUC é uma moeda forte. Equivale a 1 Euro e a 25 CUPs.
Então funciona assim: o
governo paga os trabalhadores com CUP. Os trabalhadores usam esse CUP para
pagar eletricidade, água, aluguel e comprar em mercados do governo ou outra
coisa qualquer na rua. Já quem tem seu próprio negócio ou trabalha para alguém
que o tenha, ganha em CUC e pode gastá-lo onde quiser, pois agora os cubanos já
podem frequentar restaurantes e hotéis antigamente permitidos apenas para
turistas.
Em Cuba toda pessoa ainda recebe um cartão, chamado "libreta" que dá direito a uma certa quantidade de comida mensal (grãos, ovos, rum, pão...) por um preço simbólico e também tem direito ao famoso dueto alardeado pelos simpatizantes do regime: saúde e educação.
3 CUPs que valem 0,10 CUCs. Por ter a imagem de Che Guevara, é "vendido" aos turistas como lembrança. Esse eu consegui em Cienfuegos por 1CUC. Já em Havava, me ofereceram por 25 CUCs! |
Em Cuba toda pessoa ainda recebe um cartão, chamado "libreta" que dá direito a uma certa quantidade de comida mensal (grãos, ovos, rum, pão...) por um preço simbólico e também tem direito ao famoso dueto alardeado pelos simpatizantes do regime: saúde e educação.
Mas aí vem algo difícil de
ser entendido. O salário pago pelo Estado a um professor, por exemplo, é algo
em torno de U$ 20. A um médico, U$ 25. O que eles conseguem com esse
valor? Resposta dada a quem eu
perguntei: nada. Com esse valor eles pagam os serviços básicos do governo, como água, luz
e o que sobra é quase nada.
Exatamente por isso todos
precisam se virar e, de preferência trabalhar com o turismo.
Em Cuba há hotéis bons, mas pipocam por lá as chamadas “casas particulares”, casas ampliadas e reformadas aos poucos para receber turistas. Na que eu fiquei em Havana, a dona era advogada e trabalhava no Tribunal de Justiça, mas deixou o emprego para cuidar da sua hospedagem. Já tem quatro quartos. Em cada um ela cobra uma diária de 30 CUCs, fora o café da manhã (mais 5 CUCs), contra os U$ 25 mensais que ela ganhava como funcionária do governo.... A disparidade é grande!
Em Cuba há hotéis bons, mas pipocam por lá as chamadas “casas particulares”, casas ampliadas e reformadas aos poucos para receber turistas. Na que eu fiquei em Havana, a dona era advogada e trabalhava no Tribunal de Justiça, mas deixou o emprego para cuidar da sua hospedagem. Já tem quatro quartos. Em cada um ela cobra uma diária de 30 CUCs, fora o café da manhã (mais 5 CUCs), contra os U$ 25 mensais que ela ganhava como funcionária do governo.... A disparidade é grande!
Já em um restaurante,
conversando com o garçon, ele me disse
que era formado em Informática e ganhava em torno de U$ 20 no emprego do governo. Apesar
de gostar do que fazia, largou o emprego, pois como garçom ganha muito mais (segundo ele, uns U$ 500).
Na conversa com o marido da
dona da casa em Havana, que por sinal também é advogado, ele disse que esse
é um problema muito sério no país. Primeiro, porque os bons profissionais que
conseguem ir para outro país geralmente não voltam. Segundo, porque os que ficam,
largam seus empregos e se dedicam em atividades mais lucrativas.
Lojas? Váááárias, mas com
lembrancinhas para turistas, como em qualquer lugar turístico do mundo. Em
Havana vi uma cadeia de lojas do governo, com produtos alimentícios e de
higiene. Poucos produtos e a grande maioria importados. Nacional mesmo somente
o bom e velho rum. Vi também lojas tipo “departamento”, com poucas coisas, como
roupas, panelas, liquidificador, etc (culpa do embargo econômico americano). Já em Cienfuegos, cidade bem menos
turística, me impressionou uma rua de pedestre lotada de lojas de roupas,
sorveterias, lanchonetes. Sem ser uma cidade turística, claro que as lojas eram
para os cubanos.
Internet? Proibido em casas.
Sobra comprar o cartão, raspar o login e senha e ir pra um local onde o wi fi
possa ser acessado: saguões de hotéis e
alguns locais públicos. Para saber os locais públicos que possuem sinal de wi
fi é muito fácil. Quando você se depara com um pequeno enxame de pessoas, sabe
que ali pode-se acessar o wi fi. Mas não se anime muito. O sinal cai bastante e
é preciso paciência de monge, coisa que definitivamente eu não tenho e acabei
preferindo ficar desconectada.
Ajuntamento de pessoas? Com certeza é zona wi fi |
Se a internet é ruim, a
telefonia celular deve ser boa, pois é grande a quantidade de pessoas que
possuem um aparelho, que com certeza não deve
ser comprado com os CUPs do governo, mas com os CUCs dos empregos particulares.
Como eles dizem, “todo cubano tem que se virar e ter seu pequeno negócio pra
poder viver”.
Mendigos? Tem sim. Podem até
receber sua pequena cota de alimento mensal do governo, mas existem. Raríssimos, é
verdade. E não os vi pedindo esmolas.
Pelas ruas de Havana |
Segurança? Excelente. Andei
despreocupada e eles mesmos dizem que a polícia se preocupa mais com a segurança
dos turistas do que com a deles próprios....
Desabrigados? Tem sim. Em
Havana, onde existem prédios decadentes aos pedaços, sustentados por escoras e
que tiveram que ser evacuados, seus moradores tiveram que ir para abrigos.
Atrás do prédio em que fiquei havia um.
Desigualdades? O centro de
Havana é totalmente diferente de Vedado (outro bairro), por exemplo. Lá não se
vê prédios destruídos e as ruas são limpas. Já os carros, convivendo com velhos
Ladas e os americanos mais antigos ainda, encontram-se muitos Hyundai, Peugeot
e até Mercedes. Se quem são? Eu não sei, mas com certeza não são de turistas...
Região mais moderna de Havana |
Não encontrei ninguém
tecendo loas à Revolução ou Fidel Castro. Só comentam se perguntados. Em
um restaurante, ao perguntar a um
garçom, ele me olhou sorrindo sem jeito, coçou a cabeça e chamou outro garçom
para responder às minhas perguntas.
Já em uma casa particular,
um prédio antigo de três andares, o dono me falou que era de seu avô. Todo o
prédio era do avô, que tinha trabalhado duro e investido no edifício de três
apartamentos. Quando Fidel tomou o poder, o avô apoiou, mas logo depois seu
prédio foi desapropriado. O andar de cima, que era alugado, passou a ser do
locatário. O andar debaixo, passou a ser do governo e o velho ficou com o
apartamento que morava. A decepção foi tão grande que três meses depois, em
depressão, o avô morreu. O apartamento ficou com a filha, hoje aposentada, que
recebe 4 CUCs de aposentadoria (isso mesmo! Aposentados recebem uma miséria em Cuba) e agora o neto o administra, com
quartos para alugar, garantindo o sustento da família.
Todos essas negócios particulares
pagam imposto pro Estado. Nas casas particulares, o que me disseram é que o
Estado fica com 35% a 40% do arrecadado. Mesmo assim o que ouvi foi “Mas tá
ótimo! Não reclamamos porque agora podemos ganhar algo”.
Se estão satisfeitos? Uma
dona de pousada me disse que as pessoas precisam mais do que saúde e educação.
Que não se vive somente disso. Perguntei se estava melhor com as mudanças
implantadas com Raul Castro, como a permissão de abrirem negócios próprios e
ela me disse: “Bem melhor! Antes as pessoas não tinham ambição, não tinham
vontade de trabalhar, eram apáticas. Agora os cubanos estão motivados e felizes”.
A um garçom, fiz a mesma pergunta e se Raul era melhor que Fidel. Ele riu meio sem jeito, olhou pro outro, que também riu torto e disse, sem ser muito convincente “É.....mas precisa mudar muito mais ainda”. Em seguida perguntei se ele, que tem muitos familiares morando nos EUA, tinha vontade de também ir morar por lá, ao que me respondeu que só não ia porque já tem filhos, o que dificulta. Perguntei então, pra que ele tinha essa vontade, já que ganhava bem, tinha saúde pública de boa qualidade e os filhos tinham estudo garantido, ao que ele prontamente me respondeu “Ganho bem, mas quero viajar e não posso. Não tenho onde gastar meu dinheiro aqui. Queria viajar quando quisesse e pra onde quisesse”.
A um garçom, fiz a mesma pergunta e se Raul era melhor que Fidel. Ele riu meio sem jeito, olhou pro outro, que também riu torto e disse, sem ser muito convincente “É.....mas precisa mudar muito mais ainda”. Em seguida perguntei se ele, que tem muitos familiares morando nos EUA, tinha vontade de também ir morar por lá, ao que me respondeu que só não ia porque já tem filhos, o que dificulta. Perguntei então, pra que ele tinha essa vontade, já que ganhava bem, tinha saúde pública de boa qualidade e os filhos tinham estudo garantido, ao que ele prontamente me respondeu “Ganho bem, mas quero viajar e não posso. Não tenho onde gastar meu dinheiro aqui. Queria viajar quando quisesse e pra onde quisesse”.
Isso foi o que eu vi em Cuba
nesses 10 dias em que estive por lá, pouco antes da morte de Fidel Castro, em novembro de 2016.
Mas..... Com a velocidade das mudanças que vêm ocorrendo na Ilha, hoje, ou daqui a poucos
dias, tudo já pode ter mudado....
Veja também sobre Cuba: Havana
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Unanimidade nacional: mojito |
À direita, "ropa vieja", prato típico cubano |
Refrigerante de cola |
As duas cervejas mais populares |
Cartão para utilizar a internet |
2 comentários:
Lia muito bom seu texto e esclarecedor. Agora de uma coisa senti falta para que ele ficasse mais completo. O que era Cuba antes da revolução? Sei que vc se detem no que viu e ouviu. E aí já vai longe demais... não é verdade? Bjs.
Tércia
muito bem feito, parabéns !!!
Paulo Ney
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