Eu nunca poderia imaginar,
naquela manhã fria dentro do ônibus que nos levava para a largada da Meia
Maratona do Glaciar, Patagônia Argentina, que exatamente dali a um ano, eu estaria
participando de “um tal” de Cruce - Rio Uruguay, prova que o argentino Neris,
um dos organizadores e conhecido naquele momento no ônibus, falava com tanto entusiasmo.
Segundo ele, a corrida, organizada
pelo Rotary Clube, era binacional.
A primeira edição teve largada na cidade argentina
de Colón, atravessou a ponte General Artigas sobre o rio Uruguay, adentrou o
vizinho Uruguai pela cidade de Paysandú e retornou ao ponto de partida. A
segunda edição teve percurso inverso, com largada no lado uruguaio.
Ouvi, vi fotos no celular e
fiquei com aquilo na cabeça.
Eu não conhecia o Uruguai e corridas como “desculpa” para conhecê-lo existem
muitas. Em Montevidéu, Punta Del Este. Mas Paysandú?! E Colón? Quando eu iria
conhecer essas cidades se não fosse com o empurrãozinho de uma corrida no meio
do caminho?
Decidida a fazer uma prova
no Uruguai, apesar da logística de ter que me deslocar para Paysandú (370 km de
Montevidéu), o Cruce “fincou pé” na minha cabeça e eu sabia, desde aquele dia
no ônibus em El Calafate, que eu iria participar daquela corrida.
Para completar, Alexandre e
Sara, que estiveram comigo naquele abril
na Patagônia, por pertenceram ao Rotary, decidiram ir também e, apesar
deste ano a largada ser do lado argentino, nos hospedamos em Paysandú, onde,
depois de uma viagem de 5 horas de ônibus, eu, Wilkie, Alexandre e Sara chegamos na noite da quinta-feira.
Paysandú é uma cidade
grande, mas naquela noite nós ficamos restritos à
zona do hotel, a umas garrafas de vinho, algumas cervejas Patricia e uma
parrilla em um bar próximo.
No dia seguinte depois do
almoço partimos para Colón para pegar o kit e conhecer um pouco a cidade
de onde a prova largaria.
Colón é uma linda cidade às
margens do rio Uruguay, totalmente voltada para o turismo. Além do rio, assim
como Paysandú é conhecida por suas águas termais. Estávamos em um final de
temporada, mas a movimentação ainda era grande. Deu pra imaginar como deve ser em época de
férias!
Divisa Uruguai/Argentina |
Colón e o rio Uruguay |
No Club Piedras Coloradas
pegamos nossos kits, reencontramos o Neris, conhecemos o Fernando, nosso maior
contato por email para esclarecer e nos ajudar com todas as dúvidas e também
conhecemos outros membros do Rotary, como Raul, que gentilmente nos levou por
um “tour” para conhecermos melhor a cidade.
Club Piedras Coloradas e a arena da prova |
Com Fernando |
A noite terminou com um por
do sol lindíssimo no Sotano de los Quesos, local com uma variedade enorme de
queijos e doces artesanais (Fernando, obrigada pela dica!).
Dia seguinte, apesar da
organização ter disponibilizado ônibus em Paysandú para levar os corredores
para a Argentina, Raul, outro rotariano uruguaio, passou no hotel para nos
levar.
Eu sabia que a corrida iria
passar pela ponte, por asfalto, por terra e pelo leito do rio, mas nem de longe
imaginava o que me esperava.
A ponte General Artigas, local
de largada, estava lotada com os participantes dos 5, 10 e 21 km. A grande
maioria era de argentinos, mas logo no início demos de cara com uma imensa
bandeira do Brasil e (imaginem!), uma cearense! Tô dizendo que todo canto do
mundo tem um cabeça chata?!
Na largada com Neris |
Pois bem, largamos da cabeceira
da ponte, na Argentina, rumo ao Uruguai. A organização da prova foi perfeita do começo ao fim.
O mais impressionante para mim foi terem conseguido junto às autoridades alfandegárias
dos dois países, que os corredores (anteriormente já cadastrados com números de
passaporte ou identidade) pudessem trafegar livremente, enquanto a ponte ficava
por duas horas somente com uma mão livre para os carros que eram devidamente
controlados por policiais. Perfeito.
Concentração para a largada |
Pela ponte Gral. Artigas |
Passamos pelos quase 2,5 km
da ponte, entramos em Paysandú, onde havia várias pessoas torcendo pelas ruas,
voltamos à ponte e aí, somente nessa hora, eu entendi o porquê da corrida ser
chamada de aventura....
Já do lado uruguaio, em Paysandú |
Saí da ponte, por volta do
13º.km, por uma ladeirinha pequena mas extremamente íngreme, literalmente de
quatro.
Quando vi o tipo de terreno
que me aguardava, esqueci totalmente o relógio e voltei-me para os cuidados
para não torcer o pé ou escorregar e para as fotos que poderia tirar. Mato,
boi, terreno pantanoso. Todo o percurso sinalizado por fitas e sempre com a
equipe da organização, não tive medo de ficar perdida, apesar de algumas
vezes me ver sozinha pelas trilhas.
Percurso |
Até aí estava tudo bem, até
que eu chego em um local totalmente alagado. Olhei, olhei, olhei de novo.
Analisei a situação e vi que tinha duas alternativas: encarar a água ou voltar.
Voltar estava fora de questão.
Olhei toda aquela água e
olhei meus tênis (o único par que tinha levado pra viagem). Pensei “tiro os
tênis, atravesso e depois os calço de novo”. Mas e se eu pisar em um bicho? Se
eu me cortar? Não. Volto de tênis molhados mesmo.
Exatamente nesse momento de
diálogo comigo mesma, surge um organizador e diz “coragem, que a próxima é com
água pelo peito”. Claro, óbvio e evidente que tive certeza absoluta que ele só
estava brincando pra me dar coragem. Atravessei vagarosamente a água. Embaixo
era uma lama escorregadia e “movediça”. Cuidado redobrado para que meus tênis
não ficassem presos naquela lama, uma vez que quando eu pisava, eles ficavam atolados. Felizmente tinha dado laços
bem fortes nos cadarços.
Passei e segui. Logo mais à
frente eu não acreditei: uma corda de uma ponta a outra fora colocada para
ajudar os corredores a atravessarem um braço de rio de aproximadamente 10
metros, com água que alcançava o peito. Quase choro....
Esperei a turma que vinha
logo atrás passar para eu poder avaliar a situação. Teve quem mergulhasse e
fosse de "cachorrinho".
Coloquei o celular e o mp3
na minha pochete e a enrolei no pescoço. Entrei na água gelada(!), fui
devagarinho, na ponta dos pés pra água não alcançar meu celular, cheguei salva do outro lado e esperei pelos que vinham atrás, para
fotografar. O engraçadinho do organizador ainda perguntou se eu queria voltar a
entrar na água pra ele tirar fotos minhas. Sei!
A prova do crime |
Feliz por já ter passado |
Depois desse banho, ainda
passamos por mais uns três locais alagados, gelados e escorregadios. Em um deles,
vi um tênis boiando. Alguém teve que seguir descalço.... Felizmente não fui eu.
Continuei a correr no mato
até chegar ao rio. Domingão de sol, as pessoas pescando, se divertindo.
Deu 21,
deu 22, deu 23, 24. Junto com uma grande turma, após um trecho na areia do rio,
finalmente chegamos todos juntos, depois de quase 25 km . Minha primeira prova de aventura.
Logo depois de comer o
sanduíche dado pela prova, tomar um banho no banheiro do clube e assistir a uma
parte da premiação (inclusive a da Sara, que pegou pódio na categoria), eu e Wilkie tivemos que sair correndo no ônibus da
organização, atravessar a fronteira e irmos direto pra rodoviária de volta a
Montevidéu.
Morreeeendo de fome! E imunda. |
Quem me conhece sabe que eu
gosto de correr em asfalto, fujo até de chuva nos treinos e por isso nunca corri
em provas de aventura, mas participar do Cruce-Rio Uruguay foi uma experiência
inesquecível, da qual sempre irei me lembrar entre risos e carinho.
A viagem de ônibus dos meus pobres tênis tentando secar |
Mais uma vez quero
parabenizar e agradecer a toda a equipe organizadora da prova, em especial ao
Fernando, Neris e “Rauls” que nos receberam com muita atenção e gentileza. Não
poderia ter sido melhor.
Valeu, Colón!
Valeu, Paysandú!
Mais fotos:
La parrilla |
Colón |
Largada sobre a ponte |
Os cearenses: Valéria, eu, Sara e Alexandre |
Lado uruguaio |
Em Paysandú com a ponte ao fundo |
Ponte ligando os dois países |
Foto Agustina Luaces |
Percurso |
Correndo sob a ponte |
Sinalização do percurso |
Foto: Agustina Luaces |
Chegando |
Pódio da Sara por categoria |
Estado final dos guerreiros |
14 comentários:
Maravilhosa narrativa, Lia. Parabéns!
Me senti correndo também, apesar de só estar esperando vcs ansiosamente...
Bacanérrimo relato, Lia! Simplesmente e mais uma vez, obrigado por ter nos acompanhado! Um abraço de Colón,
Fernando
Woow, muy bueno, quiero estar en la largada del próximo año
Nena
buenisimo!!!
Norma
Q ganas de estar ay participando....espero estar el año proximo
Rose
Q ganas de estar ay participando....espero estar el año proximo
Rose
EXELENTE RELATO Y FOTOGRAFIAS DE LIA CAMPOS
Gabriel
EXELENTE RELATO Y FOTOGRAFIAS DE LIA CAMPOS
Gabriel
Gostei do comentário na página do "Cruce" sobre meu post, o qual transcrevo aqui.
Adorei o "hermanos latinoamericanos". Foi exatamente assim que me senti nessa grande festa. Com irmãos latino-americanos.
"Hola, amigos:
Como ustedes saben, el Cruce del Río Uruguay nació como un encuentro de fraternidad argentino-uruguaya, pero no tardó en sumar a otros hermanos latinoamericanos. Es el caso de Lia, autora de la publicación que les dejamos aquí, quien, como Sara e Alexandre, vino de Fortaleza, Brasil, para participar en esta fiesta deportiva-solidaria.
El relato de nuestra amiga brasileña nos saca la mejor sonrisa y nos deja el dulce recuerdo de los buenos momentos compartidos, con ella, con sus compañeros y, obviamente, con todos ustedes.
¡Buena lectura! Seguimos en contacto."
Que relato!!! Deve ser muito diferente mesmo!!
Diniz
Ainda vou fazer uma prova dessas.
Ricardo
Ainda vou fazer uma prova dessas.
Ricardo
Saudades das provas de aventura. excelente post.
Neide
belissimo relato Lia!!!!! Esperamos nos encontrarmos em muitas outras corridas!!!!!
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